O meu coração por vezes parte-se quando vejo a forma como a minha mãe "adestra" o meu sobrinho de seis anos. Como sou filha dela, dou por mim a comparar os meus desatinos com aquilo que ela transmite à criança, pois tal como dizia o outro, a culpa é dos pais.
"Estás com fominha? A avó vai fazer sopinha, com cenourinha, batatinha, uma cebolinha...mas antes vamos tomar banhinho para ficares fresquinho e poderes vestir o pijaminha"
Tenho um receio oculto que ele se esqueça de falar Português e fale apenas Portuguesinho. Felizmente, apesar de ela falar com ele com muitos diminutivos, ele fala com ela normalmente, sendo que por vezes chega mesmo a corrigi-la, lembrando-a que já não é bebé.
"Já papaste a chichinha toda?"
Palavras como "papar" e "chicha" já não ficam bem com crianças que sabem utilizar advérbios de modo no início das frases.
"Olha..li no jornal que um menino de três anos estava a brincar com parafusos, pô-los na boca e morreu. Já viste? Os parafusos asfixiaram-no e ele morreu, era mais pequenino que tu! Tu não brincas com parafusos, pois não?"
Há muitas formas de dizer às crianças que não se deve brincar com parafusos. Colocar a imagem na nossa cabeça de um menino a morrer asfixiado por um, não é uma delas.
"Um menino com dois aninhos morreu asfixiado com um pedaço de salsicha. Temos de mastigar bem a comida, de um momento para o outro podemos morrer asfixiados, já viste?"
Durante muito tempo da minha vida eu não comi presunto porque tinha medo de sufocar. O meu sobrinho agora vai temer salsichas.
"Este menino de cinco anos morreu afogado na piscina! Estás a ver por que é que a avó está sempre a dizer para teres cuidado?"
Sim, de certeza que ele está a ver e a partir de agora vai pensar duas vezes antes de se atirar das escadas da piscina.
"Um menino com dois aninhos morreu asfixiado com um pedaço de salsicha. Temos de mastigar bem a comida, de um momento para o outro podemos morrer asfixiados, já viste?"
Durante muito tempo da minha vida eu não comi presunto porque tinha medo de sufocar. O meu sobrinho agora vai temer salsichas.
"Este menino de cinco anos morreu afogado na piscina! Estás a ver por que é que a avó está sempre a dizer para teres cuidado?"
Sim, de certeza que ele está a ver e a partir de agora vai pensar duas vezes antes de se atirar das escadas da piscina.
"Aquilo em cima do camião não são tapetes! Aquilo é cortiça, que os senhores tiram das árvores da cortiça que depois vai crescendo e eles voltam a tirar. Arrancam aquilo à volta do tronco, à machadada, e fica assim. Depois é tratada e eles fazem rolhas para garrafas. Aquilo também serve para fazer outras coisas, mas primeiro os senhores têm de a arrancar das árvores e colocar em cima dos camiões como aquele para a levarem para a fábrica. Não sabes como são as rolhas das garrafas? Aquilo é cortiça, mas já está tratada. A cortiça por tratar é rugosa"
O meu sobrinho viu um camião carregado de cortiça e perguntou por que razão estava o camião carregado de tapetes. A minha mãe tomou a iniciativa de lhe explicar que aquilo era cortiça. No fim, o meu sobrinho verbalizou aquilo que todos ficaram a pensar.."han!?".
Isto é um exemplo das muitas vezes que presenciei a minha mãe a tentar explicar algo à criança, sem sucesso. Ela utiliza muitas expressões e figuras de estilo, como perífrases e metonímias, que deixam o pobre rapaz ainda mais confuso, como aquela vez em que ela estava a tentar explicar o que era prisão domiciliária e disse "as pessoas são presas em casa e não podem sair. Se saírem aquilo faz pi pi pi pi lá na polícia".
Podia passar horas a dar exemplos, mas acho que já chega.
Podia passar horas a dar exemplos, mas acho que já chega.