sábado, 31 de agosto de 2013

Cápsula do Tempo

  A revista CARAS é requinte, é moda, são caras conhecidas. Podemos encontrar tudo isto, não só nas suas edições semanais, mas também nos jantares organizados que exaltam a elegância, quer do restaurante e respectiva comida, quer das ilustres figuras públicas que vêem nestas ocasiões a oportunidade ideal para aparecerem na página dos mais bem vestidos da semana. Fá-lo através de festas de verão nos sítios mais 'in' do momento, como o maior complexo de luxo turístico da Europa. Fá-lo através de ofertas exclusivas para as suas fieis leitoras, como talheres e copos desenhados pela Fátima Lopes. É também a revista Caras, que a par com a SIC,  atribui anualmente os Globos de Ouro, que mesmo sendo uma imitação reles e presunçosa dos prémios homónimos dos EUA, onde o clímax é atingido com a entrada das irmãs do Ronaldo na passadeira vermelha, não deixa de ser um prémio ambicionado por todos os artistas nacionais com poucas expectativas de carreira internacional. 

  Hoje encontrei a edição n.º 218 da revista CARAS, datada de 23 de Outubro de 1999, dentro de um caixote há muito esquecido num lugar recôndito da minha casa. Depressa percebi a importância do meu achado. Era como se tivesse encontrado uma cápsula do tempo que continha todos os pensamentos, ambições e gostos de uma sociedade já extinta. Um pequeno tesouro omitido pela minha irmã quando tinha exactamente a mesma idade que eu tenho agora, porém numa época completamente diferente. O escudo e o euro ainda surgiam lado a lado, sendo que na altura a revista custava 220$00/1,10€ (apenas menos 0,30€ que hoje em dia). Eis senão quando, algo me salta à vista. Em uma das páginas podemos ler "Feijoada da CARAS reúne o 'jet-set' numa festa animada", matéria que se prolonga nas 10 páginas seguintes com dezenas de fotos e testemunhos de figuras recorrentes das páginas desta revista. Podemos ler:

"A feijoada brasileira é um pouco o Portugal remoto. Nasceu no Minho, desceu a Lisboa, embarcou nas caravelas e foi andando, misturando sabores e alimentos. Porque a couve mineira é a nossa couve galega". Assim descreveu José Pestana de forma quase poética, a feijoada brasileira, um prato típico do país irmão que serviu de pretexto à CARAS para reunir mais de uma centena de convidados...

   Nunca tinha lido as palavras 'jet-set' e feijoada na mesma frase, mas após uma breve pesquisa descobri que é algo recorrente. Todos os anos a CARAS alia o requinte, a moda e as caras conhecidas à bela de uma feijoada, um prato pesado e deliciosamente pacóvio, cujo nome provém dos feijões que lhe dão vida. Mas não é só à feijoada que os feijões dão vida. Esta leguminosa, barata e por isso muito consumida pelos menos afortunados, é popularmente associada a constrangimentos públicos causados pelos seus compostos dificilmente digeridos pelo nosso, nem sempre fiel, sistema digestivo.


   Mas na tradicional feijoada da CARAS de 1999, além da feijoada tipicamente brasileira, os convidados puderam ainda saborear outro ícone da cultura dos amantes de forrobodó: caipirinhas. E quando se fala em caipirinhas aparece logo a rainha do 'jet-set', a mesma de agora mas antes do peeling, com informações reveladoras que provam que os seus contactos com a terra para lá do Atlântico, não se limitam à gastronomia: 

"O que engorda nesta bebida, além da cachaça, é o açúcar. Por isso, ponho adoçante em vez de açúcar. Isto ensinou-me o cirurgião plástico brasileiro Ivo Pitanguy há muitos anos".

   Isto mais de uma década antes de haver estudos a comprovarem que o adoçante engorda tanto ou mais que o açúcar. Parece que estou a ler um daqueles livros de medicina antigos que apontam a homossexualidade como a causa da SIDA. São verdades há muito desmentidas.

Lili, amante das viagens, lamentou: "Ao Brasil só fui 50 vezes!"

   Só? Deve ser difícil para ela olhar-se ao espelho todos os dias com tamanho embaraço. Curiosamente, antes de casar com Álvaro Caneças, o homem que lhe deu nome, era hospedeira da companhia aérea com maior número de vôos para o Brasil desde a Europa. Quiçá não terá andado a trocar turnos para acumular mais milhas!


  Nas páginas obsoletas desta revista, podemos ainda encontrar referências à estreia do filme "Tarzan" da Disney, a relação ainda não assumida de Carlos Cruz e Raquel Rocheta, uma foto de Betty Grafstein num evento de apoio à causa timorense e publicidade ao novo S25 da Siemens. Portugal estava encantado pois tinha sido escolhido para organizar o Euro 2004 há menos de duas semanas. Por outro lado, Amália Rodrigues tinha falecido no início desse mês, gerando homenagens carregadas de saudade e lágrimas pelo país fora. A marca de cosméticos MAC tinha acabado de chegar a Portugal. A taróloga Maya era na altura uma simples taróloga, sendo que a única foto sua na revista mede 2x3 e é a preto e branco.


 O Vítor Baía ainda era casado com a primeira mulher. O João Pinto ainda era casado com a primeira mulher. O Jorge Costa ainda era casado com a primeira mulher. O Abel Xavier ainda era casado com a primeira mulher. O Durão Barroso era o líder da oposição e o filme "Titanic" ia estrear pela primeira vez em televisão, num canal pago. A Sumol Néctar tinha lançado o seu mais recente sabor, um sumo de banana, morango e cereja que não chegou aos nossos dias. Já a publicidade ao perfume J'adore da Dior, mantém-se actualizada sendo que a sua mensagem intemporal ainda é utilizada hoje em dia. Cada página traz ao de cima um misto de nostalgia e intriga, mas é curioso aquilo que pensamos ao folheá-las. O que será que vai ser diferente daqui a 14 anos? 

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